“At the end of my rope
I testify to silence.”
Margaret Atwood - Half-Hanged Mary
Um avião furtivo [seguem em anexo as especificações tecnológicas] é capaz de penetrar as entranhas da terra e destruir instalações nucleares do inimigo. Disparado da base X, percorre muitos quilômetros em pouquíssimo tempo. O homem suspira, impressiona-o as maravilhas da aerodinâmica. O custo unitário do que deslumbra o homem é de dois bilhões de dólares. Uma parede de proteção anti-mísseis [custos em milhões de dólares] protegem cidadãos de um país imaginário [não nos enganemos, todos os países são imaginários]. Aos exploradores, viajantes [desbravadores seria aqui a palavra correta] viagens à Lua, a Marte, já podem ser agendadas junto a Musk. Pagamento antecipado. Não há onde o homem não possa ir, caso queira, quando queira.
Indonésia, dia 24 de junho de 2025:
Mentes exatas fazem cálculos. Quantos metros de corda? Traçam topografias. Quais as condições climáticas ideais? A geomorfologia indonésia toda narrada em sua minúcia de predegulho. Mas e se os securistas caírem? A qualidade do ar local é minuciosamente decupada em tabela periódica. E se os homens inalarem gases tóxicos na descida junto à Juliana? Nos jornais, experientes exploradores advertem dos perigos do deslize. Especialistas em crateras listam os possíveis erros. Cem metros.
O vulcão selvagem, de difícil acesso, escorregadio, terreno traiçoeiro, para poucos corajosos, desbravadores de crateras, vocês não veem? Em sua discursividade feminina, narra-se a tragédia do deslize. As heroínas trágicas não entendem a topografia, o clima, os fatores críticos. São peritas em aguardar, pacientemente, imóveis, as cordas que serão atadas a seus corpos. São protagonistas daquele drama, mas são os homens que decidem se rompem as regras das vinte e quatro horas da representação da cena trágica. Juliana é pedagogia para as globe-trotters que desafiam as regras da pólis internacional. Trezentos e cinquenta metros.
Teríamos perdido a capacidade de ler as palavras que desfilam diante de nossos olhos? O vulcão de Juliana. A viagem de Juliana. Ela não deveria estar trabalhando em Niterói? Domesticada, de fácil acesso, as crateras não estariam, assim, protegidas? O deslize. A falha geológica. Uma mulher em uma fenda. Fazia o que sozinha? Se cansou? Não sabe que os perigos da natureza são para os homens experientes ? Os guias guardam caminhos, pairando sobre vulcões. Autoridades numes locais se apressam em afirmar seu desprezo. Cálculos matemáticos, precisos e masculinos decidem sobre o resgate. Quinhentos metros.
As condições não são favoráveis, convoca-se a prudência, não podemos nos precipitar, afinal Juliana encontra-se a quinhentos metros digo seiscentos metros cratera abaixo. Há cinco dias seu corpo é oferecido em espetáculo - aquele ponto que vemos é Juliana ou uma pedra? Querem nos convencer que há tecnologia para salvar Juliana, que há urgência para sua vida, sua fome, sua sede e seu frio. Tratados sobre a precariedade asiática são rapidamente escritos nos jornais do dia - servirão eles de mortalha ao cadáver de Juliana? Um herói se apresenta, contra o mundo, contra as autoridades, contra a paralisia burocrática.
Como nós, os homens, vamos chancelar esse deslize de Juliana? O que diremos no futuro às mulheres que encaram vulcões, selvagens? Que caminham à beira dos penhascos? Que galgam os topos das montanhas, para enxergar ali um pôr-do-sol. Mais grave que isso. Como vamos explicar que Juliana estava naquele parque, naquela hora, fazendo exatamente aquilo que ela queria fazer? Diremos - lembraremos - que não há cordas de resgate, só as de pescoço. Somos matemáticos, precisos. Sabemos quantos metros de corda são necessários para atar uma mulher. Fazemos isso há muitos séculos. Também nós, homens, somos exímios em orientações de resgate no fundo das ravinas. Mergulhamos nas profundezas do submundo, o terreno mais perigoso, na missão de resgate mitológica. Quantos olhares órficos do alto do barranco foram necessários para enviar Juliana para o hades?
Com as cordas do resgate fazer lira tecnológica das guerras que esburacam o mundo inteiro.
Que a coragem da Juliana nunca mais seja punida.
Uau, que coisa linda! Sua escrita é muito original, me apaixonei por ela. O pensamento guiado no texto é belíssimo. Você na posição de um homem teceu lindamente as profundezas do que aconteceu e de tudo que significou. Muito obrigada.